Cuidados no uso de escalas de comportamento (com um exemplo cinematográfico).
Você já ouviu falar em escalas de comportamento?
As escalas são formulários padronizados usados para tentar medir algumas queixas. Elas ajudam a avaliar a intensidade, duração e prejuízo causados pelo comportamento em questão. É muito comum o uso de escalas na avaliação de suspeitas de transtornos do neurodesenvolvimento, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno do espectro autista por exemplo, mas isoladamente elas não fecham um diagnóstico.
Vamos a um exemplo.
No primeiro ato do clássico musical de 1965 "a noviça rebelde" há uma cena em especial que chama a atenção daqueles que trabalham com neurodesenvolvimento:
A descrição que as freiras fazem de Maria:
Ela sobe numa árvore e arranha o joelho
O vestido dela tem um rasgo
Ela dança valsa a caminho da missa
E assobia na escada
E debaixo de seu véu, ela tem bobes no cabelo
Eu até posso ouvi-la cantando na Abadia
Está sempre atrasada para a capela, mas seu arrependimento é real
Ela está sempre atrasada para tudo, menos para cada refeição
Eu odeio ter que dizer isso, mas eu sinto firmemente
Maria não foi feita para o convento
Eu gostaria de dizer uma palavra sua defesa
Maria me faz rir
Como você resolve um problema como Maria?
Como você pega uma nuvem e a prende ao chão?
Como você encontra uma palavra que significa Maria?
Uma caprichosa, uma luz na escuridão, uma palhaça
Muitas coisas você sabe que gostaria de dizer a ela
Muitas coisas que ela deveria entender
Mas como você a faz ficar
E ouvir tudo que você diz
Como você mantém uma onda sobre a areia
Oh, como você resolve um problema como Maria?
Como segurar o luar em sua mão?
Quando eu estou com ela eu estou confusa, fora de foco e entorpecida
E eu nunca sei exatamente onde estou
Imprevisível como o tempo
Ela é tão volúvel como uma pena
Ela é uma querida, ela é um demônio, ela é um cordeiro
Ela supera qualquer praga
Espanta uma vespa de seu ninho
Ela tira um religioso do eixo
Ela é gentil, ela é selvagem
Ela é um enigma, ela é uma criança
Ela é uma dor de cabeça, ela é um anjo
Ela é uma menina
Trecho da música (infelizmente não encontrei inteiro ou legendado)
Impulsividade, comportamento inadequado, esquecimentos e conflitos frequentes , causando prejuízo, mas será que Maria realmente tinha um transtorno?
Considerando as queixas dos primeiros 20 minutos do filme é possível marcar até 14 dos 18 itens do formulário utilizado para avaliação de TDAH, sendo sugestivo de um transtorno de déficit de atenção e hiperatividade do tipo misto.
Então está fechado o diagnóstico? Não.
Ao longo da historia vemos a diferença no comportamento de Maria quando na casa Von Trapp. Em contraste com o do inicio do filme (no convento), por mais que mantenha uma postura questionadora, Maria acaba se mostrando muito eficiente no trabalho com as crianças. Ou seja, seu comportamento se torna funcional com a mudança de ambiente.
Nunca podemos esquecer que o transtorno deve ocorrer em mais de um ambiente, uma alteração comportamental que ocorra em apenas um local ou situação provavelmente estará associada a questões ambientais.
Logo Maria tinha uma dificuldade de adaptação ao ambiente do convento (além de uma voz maravilhosa) e não um transtorno.
Não resisti...
Em tempo: Não sei por que a formatação dos parágrafos não aparece.
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